A crise dos limões

A marca não é aquilo que você diz que é. É aquilo que eles dizem que é.

CRÔNICAS

Joana Aleixo é jornalista , especialista em branding sustentável e mercado de luxo

2/8/20253 min read

Gestão de Crise e ESG

As redes sociais tornaram a publicidade acessível a todos que queiram empreender. No curso de publicidade era comum estudar o conceito de uma propaganda que na cifras de milhões deveriam impactar o público alvo com 15, 30 segundos de inserção. Geralmente, a maior audiência, no caso da TV aberta, era durante o Jornal Nacional. No entanto, mesmo gastando-se milhões era necessário outras frentes para impactar o consumidor no dia-a-dia e fazer com que ele levasse o produto para casa.

Com o advento da tecnologia dando acesso a muitas pessoas, empreender virou sinônimo de criatividade e marcas que outrora não podiam investir em publicidade viram com uma oportunidade de mostrar os seus produtos. Mas as grandes marcas e corporações também puderam experimentar a proximidade com o consumidor para o bem ou para o mal.

O Caso Tânia Bulhões

Nesta semana pudemos assistir, a quem interessa, a saga da marca de luxo brasileira Tânia Bulhões. Uma influenciadora viralizou ao expor a marca após uma viagem à Tailândia, onde tomou um inocente “cafezinho” de R$ 5 com a mesma louça e motivos da luxuosa marca brasileira. Ao chegar em casa, ela constatou que a louça era a mesma, apenas havia sido colocado a logo da marca paulistana.

Foi o suficiente para uma enxurrada de críticas, o aparelho em questão custa a bagatela de 6 mil, enquanto o aparelho Astro, outra coleção envolvida na polemica custa 18 mil reais e, uma única xícara igual a que a influenciadora desfrutou o "cafezinho de esquina" na Tailândia custa a singela cifra de 250 reais a unidade. Com o agravante que os motivos pintados a mão foram desenvolvidos, segundo a empresa, pela própria Tânia Bulhões em homenagem a cidade natal da empresária: Minas Gerais. Porém, os desenhos eram de vários limões sicilianos pintados a mão, fruto este que não é oriundo de Minas e, sim, da cidade de Sicília, na Itália.

A Tânia Bulhões vale atualmente no mercado 100 milhões de reais. Mas não tinha uma política de ESG, não tinha controle da marca, apenas um storytelling, que nesta crise ficou claro que eles contavam a história que achavam conveniente. Assim, a equipe em um primeiro comunicado declarou que não tinham como rastrear cópias, mesmo clientes e admiradores da marca levantando que a louça em questão existia antes (2011) do lançamento da marca (2018). E a empresa continuou alegando que a marca dela fazia todo o processo e que as peças eram exclusivas. Não satisfeita, ela ainda acionou a influenciadora na justiça, por calúnia. E uma via crucies se instalou pelos detetives virtuais para escorraçar a marca Tânia Bulhões.

A coisa tomou tal proporção que várias matérias retornaram à mídia, dando conta que, a dona da marca foi condenada em 2009 por fraude em importação, sendo inclusive proibida a deixar o Brasil por quatro anos e obrigada a pagar quase dois milhões em indenizações a instituições de caridade. No ano passado, a empresa de Tânia adquiriu a fábrica francesa Royal Limoges. Ela comprava há anos 50% de toda a produção da fábrica e, fica muito claro, que apenas colocava a logomarca dela nas peças. Por isso, a influenciadora encontrou a coleção Marquesa e outras peças em sites franceses e da Europa. Mas em nenhum momento a empresária admitiu ser apenas uma importadora.

ESG não é apenas para sustentabilidade

A gestão de crise é importante para empresas que adotam práticas ESG, pois ajuda a identificar e mitigar riscos que podem levar a crises de reputação e perdas financeiras. Nesse novelo que ainda não parece ter chegado ao final, uma marca milionária deixou claro que não tem transparência nos seus negócios. E isso é importante? Obviamente, pois, quem paga 16 mil em um aparelho de jantar tem poder aquisitivo e poderia comprar na Europa, mas em um determinado momento confiava na reputação da marca, que diz vender produtos exclusivos. O que ficou claro, não acontecer.

A publicidade é uma arte de contar a história usando apenas os atributos, as qualidades. No entanto, cabe ao branding criar e gerenciar os valores sólidos da marca que envolve o que não está negociável. Contar uma história ou montar uma realidade que não se vive pode dar certo até um determinado ponto, mas, uma hora você pode ser descoberto. No fim das contas é sobre honestidade. Até que ponto a empresa e o consumidor que fazem um pacto, estão dispostos a honrar suas filosofias e confiança mútua? Qual é o preço disso?