A importância da narrativa pessoal por trás da roupa
Entre a etiqueta e a essência: por que investir no estilo é a sua assinatura mais valiosa.
CRÔNICAS
Joana Aleixo é jornalista, especialista em moda e branding sustentável
8/26/20255 min read


Por que investir no estilo pessoal é tão importante quanto seguir a moda proposta a cada temporada? Pelo simples fato que é no estilo bem construído que está a sua assinatura e fará você ser lembrado. A moda é um segmento muito efêmero e a cada temporada vemos centenas de roupas sendo apresentadas com suas inúmeras cartelas de cores, novas modelagens, acessórios e afins. Claro, que existe um mercado muito bem estruturado que se alimenta dessa cadeia produtiva e em tempos de redes sociais “ter” passa a ideia que é mais atraente que “ser”. Assim o descartável se consolida.
Obviamente a imagem é importante e não estou querendo desconstruir isso, mas, essa crônica é um convite a se conhecer de verdade. Você já conversou com alguém que parece estar fantasiado dela mesmo? Pois é, a roupa também conversa com os seus valores e diz muito quem você é ou quem deseja ser. No entanto, lembre-se: marcas são construções abstratas e são as pessoas quem realmente devem sobressair para além do vestido.
Lembro muito claramente da minha infância. Minha avó era uma costureira muito qualificada e desde de criança ela fazia as minhas roupas. Não que não pudesse comprar, mas tínhamos esse hábito. Na adolescência, naquela fase que automaticamente precisamos nos afirmar, não queria mais as roupas feitas por ela. Foi aí que criamos uma dinâmica muito legal que relembro com muitas saudades. Íamos nas lojas de tecidos, aviamentos e passávamos horas analisando a qualidade dos materiais. E só levávamos para casa o que eu escolhia.
Pensava nos modelos e apenas ao tocar já sabia se daria uma boa roupa. Assim minha avó e eu criamos vários modelos lindos muito mais original que muitas marcas da época. E minhas amigas, que compravam de marcas consolidadas, passaram a me copiar. Que época maravilhosa. Meu único arrependimento era o fato de não ter aprendido a costurar. Mas como nós duas fazíamos todo o processo juntas, me deu muita noção de costura e automaticamente moldou meu estilo e, mais ainda, me deu um valor inegociável sobre a construção da minha identidade.


O poder de uma peça que conta uma história pessoal
A moda se popularizou muito. Se outrora era apenas nas revistas de moda que tínhamos acesso a grandes marcas e aguardávamos quando aqueles modelos seriam copiados pelo restante das marcas para só então comprar o que “estaria na moda”. Atualmente vemos uma repetição de estilos e bem sabemos que quando todos estão usando algo é hora de mudar completamente. Comprar das grandes labels hoje em dia não é um privilégio apenas de estrelas de cinema e grandes personalidades, a corrida para parecer mais chic, mais rico, mais na moda acabou criando um reboot.
A Hèrmes, por exemplo, marca consagrada pelos seus séquitos adeptos, atualmente está tão conhecida, com tantas pessoas prontas para fazer qualquer negócio para ostentar uma bolsa Birkin, que não sabemos mais quem é quem. E neste momento a magia parece ter acabado, pois apesar do que diferencia a grife ser os materiais de altíssima qualidade, o processo handmade, foram trocados não pela marca, mas, por pessoas que colocaram no selo, o próprio valor pessoal para acender e parecer "alguém". Afinal, se tenho uma Birkin, uma Kelly tenho grana, status, pertenço aquele grupo exclusivo. O poder da marca na construção da “persona” é tão forte que me recordo de um vídeo no YouTube de uma influenciadora, no qual, ela narrava que entrou na flagship da marca em Nova York, sabendo que havia uma listra em que a Hèrmes era quem escolhia qual cliente poderia ou não comprar a bolsa da grife, independente da quantidade de dinheiro que você tem no banco. Ela conta que foi primeiro nas sandálias e acessórios e ficou olhando já pronta para levar. ao menos faria o cadastro. Afinal era o que a marca a permitiria comprar.
Foi quando um vendedor a abordou e ela quase chorando, palavras dela, contou do sonho de ter uma Birkin. Nesse momento, o vendedor falou que tentaria ajudar a obter a tão sonhada bolsa cifrada. Ele foi para outro andar da loja e ficou por lá algum tempo. Passado alguns longos minutos ele voltou com uma bolsa Birkin na cor pink. E disse para ela: Parabéns, essa é a sua primeira Birkin, fizemos uma consulta e é este modelo que a marca está disposta a disponibilizar para você. GOD! Ela contou chorando de emoção que pagou nove mil dólares em uma bolsa, quase 70 mil reais que ela não teve o direito de escolher. Surreal.


Como a identidade pessoal diz quem você é
O estilo pessoal diz sobre quem você é. Já a moda diz sobre o que está acontecendo no mundo. E quem você é não pode ser negociável, isso mostra um autoconhecimento intrínseco. Em um mundo onde todos se parecem, ter um diferencial mostra que você sabe o que está fazendo. Principalmente cultuar marcas para dizer que você tem valor me parece ser uma das coisas mais cafonas da atualidade. Um exemplo desta tendência é a resposta das grandes marcas que começaram a investir no luxo silencioso. Afinal, quando você sabe como se vestir, o que realmente tem valor, você não precisará expor marcas como uma maneira de pertencimento.
Certa vez assistindo uma reality desses de ostentação, uma senhora japonesa ficou horrorizada e até mesmo constrangida com uma jovem que gabava-se de ser filha de um dos homens mais ricos do mundo e, por ter acesso, a roupas acabadas de sair das passarelas. Na ocasião, ela chegou a um encontro com um “lustre” no nariz, super grifado. Ela se vestia bem estranha, mesmo tendo acesso às melhores marcas. Daí a senhora soltou a pérola: Na moda eu quem visto a roupa, mas, jamais a roupa me veste. Bravíssima!
Era exatamente por isso que por mais caro que fosse as peças que a aspirante a “it girl” usava, nada ficava bem. Por que ela usava as peças para construir a personalidade dela. E a personalidade não está na roupa. Roupa é complemento, valioso, mas apenas roupa. Tipo: Essa saia acabou de sair do desfile tal, da semana de moda de Paris. Pobre menina rica e mesmo assim não tinha estilo, não se conhecia. Ela era a roupa que vestia. E neste caso, não estou falando de dinheiro. Porque ela realmente era rica, mas a autoconfiança dela vinha das etiquetas que vestia.
Se conhecer é algo muito valioso. Valorizar o Eu Sou, ao invés do Eu Tenho com certeza é algo que será o grande diferencial nesses tempos sombrios de exposição exacerbada e valorização a coisas fúteis.