A laureada carreira do tenor Aldo Baldin contada pelo talentoso cineasta Yves Goulart

Em entrevista exclusiva, o cineasta Yves Goulart, fala sobre a estreia do filme "Aldo Baldin, uma vida pela música" e descreve o sentimento de resgatar para as próximas gerações a arte do conterrâneo que fez notável carreira internacional.

ENTREVISTAS

7/30/20257 min read

O diretor do documentário Yves Goulart celebrando os mais de 20 prêmios dos Festivais – Acervo pessoal

Um tenor brasileiro reconhecido internacionalmente, mas desconhecido no Brasil. Com o imenso desejo de reparação cultural, o cineasta Yves Goulart, lança nesta quinta-feira, 31/07, nos cinemas artes das principais capitais do país o filme: “Aldo Baldin, uma vida pela música”. Nascidos na mesma cidade, Urussanga (SC), em épocas diferentes, Aldo Baldin e Yves Goulart teriam o destino entrelaçado, por acaso, sem nem ao menos se conhecerem ou poderem se conhecer. Em Nova York, onde mora atualmente, o cineasta reconheceu a igreja da cidade natal numa capa de LP de Villas Lobos e daquela curiosidade inicial descobriu um dos tenores mais importantes do Brasil, Aldo Baldin, que morreu em 1994, aos 49 anos, no auge da carreira.

Do fascínio pela história do tenor brasileiro com mais de 100 discos gravados e um Grammy (1981), o cineasta Yves Goulart mergulhou na carreira de Aldo, revivendo por meio da pesquisa para o documentário os áureos anos da carreira de cantor clássico e professor universitário na Alemanha de Aldo Baldin. A imersão e compromisso em evidenciar o importante legado desse artista dedicado e notório, levou Yves a uma parceria muito intensa com a viúva de Aldo, Irene Flesh Baldin, que assina a direção musical do documentário.

Uma fita caseira gravada por Aldo Baldin falando sobre os principais momentos da carreira tornou-se o que o cineasta Yves Goulart descreve como “a espinha dorsal da obra cinematográfica”, sendo narrada pelo saudoso tenor toda a dedicação dele pelas artes clássicas. A produção dirigida pelo cineasta Yves Goulart que levou 14 anos para ser finalizada, soma 24 prêmios nacionais e internacionais e conta com a participação de grandes nomes da música como o maestro Isaac Karabtchevsky, a pianista Lilian Barretto, o compositor Edino Krieger e os cantores Maria Lucia Godoy e Fernando Portari.

Na entrevista para o Sarau de Grã finos, o cineasta Yves Goulart, conta como foi descobrir um conterrâneo tão talentoso e o caminho percorrido para reacender a figura de Aldo Baldin à importância da obra deixada por esse brilhante tenor. Também vamos poder conhecer um pouco da diversa carreira desse competente cineasta e ator que têm um trajeto múltiplo no universo das artes.

Irene Flesh Baldin e Yves Goulart – na pré-estreia do filme em NY – a viúva de Aldo é a diretora musical do filme

Sarau de Grã Finos: Se estivesse vivo Aldo Baldin completaria 80 anos. Como é poder celebrar a obra dele contando para o mundo a história desse mestre da música clássica?

Cineasta Yves Goulart: Eu nasci na mesma cidade que o Baldin, me sinto muito honrado de poder contar essa história, tive o apoio da família do Aldo para fazer esse trabalho, principalmente, a mulher dele a Irene Baldin, que no filme faz a direção musical. O apoio dela foi importante, pois me possibilitou ter acesso a maestros importantes com quem o Aldo trabalhou. A Irene me acompanhou nas entrevistas em alemão e trouxe para mim um repertório do que era mais relevante nas gravações dos 100 discos que o Aldo gravou. Ela me falou um dia desses que o Aldo estaria muito orgulhoso e feliz pelo seu filme. Sim, esse filme é uma obra muito honesta, muito profunda, que tentei fazer de uma forma que pudesse fazer jus a carreira do Aldo Baldin. Uma das minhas angústias maiores era poder revelar o legado do Aldo ao público. E depois de tanta pesquisa, de erros e acertos, de tentar outra vez e fazer de novo, eu tive a intuição de fazer um documentário operístico com oito atos. Cada ato levando para o decorrer da carreira dele e explicando toda a trajetória desse artista. Eu tentei trazer uma história contada pelo próprio Aldo, que deixou uma “fitinha” caseira gravada antes de morrer. Ele tinha o hábito de gravar a família e os amigos. Ele gravou muitos concertos particulares, tocando piano em momentos íntimos. Então, esse material de arquivo eu pude ter acesso e contar a história com um material muito orgânico, refinado, no sentido de ser muito próximo do personagem Aldo Baldin.

Sarau de Grã Finos: Como a história de vida de Aldo Baldin chegou até você?

Yves Goulart: Eu conheci a história do Aldo Baldin através da capa de um disco, que me despertou a curiosidade de saber porquê a igreja matriz de onde eu nasci e Aldo também, Urussanga, estava na capa de um disco de Villa Lobos. Descobri isso em Nova York! Uma amiga, Stela Brandão, doutora em música clássica, me apresentou a capa desse disco e eu fiquei surpreso em saber daquela história, da igreja que eu fui sacristão. E de como eu não sabia da existência dessa figura conterrânea. Na minha geração, anos 90, ficou uma década sem falar do Aldo Baldin. Não que a cidade de Urussanga, não tivesse feito uma homenagem, o disco é uma homenagem a ele nos anos 80. Aldo Baldin foi condecorado pelo governo de Santa Catarina, na época, ele recebeu a medalha do Estado, sendo condecorado no clube da praça chamada Sociedade Recreativa Urussanga com um jantar de gala. O Aldo se apresentou nesse dia com acompanhamento de piano. Foi um momento de homenagens. Eu era criança, mas não fiquei sabendo dessa figura porque não houve uma preocupação de passar para as próximas gerações a importância do tenor Aldo Baldin. Então, eu só fiquei sabendo em NY, décadas depois e me deu vontade de contar essa história. E por meio daquele disco eu descobri que ele havia gravado outros 100 discos com selos muito importantes.

Sarau de Grã Finos: Como ator você já interpretou Papagueno, no clássico de Mozart: A Flauta Mágica. Qual a sua relação com a música clássica?

Yves Goulart: Na verdade, minha relação com a música clássica é bem pouca. Essa peça que fiz “A Flauta Mágica de Mozart", foi uma adaptação do Marcelo Marchioro para o teatro infantil. A ópera tinha duas horas de duração e nessa adaptação fazíamos uma hora de espetáculo. Eu fiquei dois anos fazendo essa ópera que era apresentada em um ônibus palco chamado: “Teatro vai à escola”, apresentado nos 399 municípios do Paraná. Nós gravamos em estúdio a ária do Papagueno e outras canções. O texto a gente falava ao vivo durante a apresentação. A minha relação com a música clássica é muito pouca, não tenho formação, mas sou ator. Depois tive a oportunidade de fazer a ópera 'La Serva Padrona' com o personagem Vespone, que é mudo, juntamente com a soprano kalinka Damiani, que também é de Urussanga e o barítono argentino Marcelo Villena para o Teatro Guaíra. O projeto “O teatro vai à escola” virou “Comboio Cultural”, e nos apresentávamos também no ônibus palco nos municípios do Paraná. Então minha experiência com a ópera foi como ator, mas eu amo assistir ópera até hoje.

Yves Goulart com Maria Lúcia Godoy – durante a filmagem

Sarau de Grã Finos: Sua carreira é bem diversa principalmente por ser ator e também educador. Como é transitar por esse viés da arte, uma vez que você leciona para escolas de teatros?

Yves Goulart: Eu não leciono mais para escola de Teatro faz mais de 20 anos. E meu último trabalho como ator foi fazendo a novela Belíssima, do Silvio de Abreu, na Tv Globo. Mudei para os E.U.A, me formei em cinema e de uma certa forma o trabalho de ator ficou num passado distante. Eu não voltei mais a atuar. Fui trabalhar como repórter cinematográfico para emissoras de televisão brasileiras ( Record, SBT e Globo) e ali eu me identifiquei com essa expressão do jornalismo. E levo essa linguagem do jornalismo para a produção dos meus documentários. Mas, sim, tenho uma carreira muito diversa. E uma formação vai se fundindo com a outra levando ao objetivo principal que é comunicar com o público.


Sarau de Grã Finos: Atualmente você mora em Nova York. Como está sendo pra você mostrar para os brasileiros, um cantor que fez tanto sucesso fora do país?

Yves Goulart: Quando a gente fala do Aldo Baldin que fez sucesso fora do país, ele não foi reconhecido pela grande massa, mas ele era respeitado pelo público da música clássica. Quando a gente fala da palavra sucesso, a gente tem que ter cuidado, pois ele não era um Pavarotti. O Aldo estava em outro lugar, nesse imaginário. Ele era um cantor nato com muita resiliência. Um tenor que usou dessa técnica vocal, para ser professor catedrático, na Universidade da Alemanha. Mas, o Aldo Baldin, não é um sucesso de massa. Ele é um cantor respeitado pela excelência técnica vocal no entorno dos 100 discos que ele gravou. Se a gente for pegar como referência um cantor brasileiro que tenha esse tamanho de discografia, não vamos encontrar. Como diz Isaac Karabtchevsky, o Aldo era tenaz. Ele chegava altamente preparado nos ensaios. E é esse Aldo, tenaz, resiliente, que trabalhou a própria técnica vocal que a gente tem que reverenciar e lembrar como uma pessoa de qualidade que usou da sua arte, não para aparecer, mas, usou a sua arte como forma de expressão. Formou muitos alunos e morreu no auge da carreira aos 49 anos, então, eu acho que a palavra sucesso pode ser um pouco de exagero. A palavra para o Aldo é respeitabilidade e infelizmente não foi reconhecido no Brasil. Esse é um problema que temos no Brasil, não ter memória. E o filme “Aldo Baldin - uma vida pela música” vem ocupar essa grande lacuna que a cultura brasileira tem com a música dele. Por que nunca foi escrito uma biografia sobre o Aldo Baldin?