A soprano Eiko Senda revive o drama familiar do pós-guerra japonês em nova montagem de 'Madama Butterfly"
Nova versão da ópera no TMRJ, ambientada em 1950, transforma a gueixa em uma mulher consciente, usando a melodia de Puccini para suavizar o desespero aguçado pela fome e violência da Segunda Guerra Mundial.
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11/20/20255 min read


Fotos: Filipe Aguiar
Madama Butterfly é uma obra do estilo romântico tardio do compositor italiano Giacomo Puccini. Encenada em todo o mundo, o drama atemporal e doloroso, arrebata a plateia desde da primeira apresentação, digamos assim, em 1904. Após onze anos de ausência, o Theatro Municipal do Rio de Janeiro não encenava essa grandiosa peça operística, que também foi interpretada no cinema, tornando-se referência na sétima arte pela história trágica e comovente. No dia 21/11, sexta-feira, acontece a grande estreia, a jornada emocional da protagonista, Cio-Cio-San poderá ser assistida até o dia 30/11, no Municipal do Rio. Com patrocínio oficial Petrobras, o público será transportado ao universo trágico e apaixonante de Madama Butterfly, de Puccini — uma história de amor, honra e destino que atravessa gerações.
Com mais de 230 performances no papel principal de Madama Butterfly, a soprano japonesa Eiko Senda encara o maior desafio de sua carreira. Na nova montagem ambientada nos Anos 50 — um Japão ocupado e marcado pela miséria, ódio e humilhação do pós-guerra — a artista não apenas interpreta, mas revive a dor de sua própria família, composta por sobreviventes de bombardeios e perdas trágicas. Longe da inocência original, esta Butterfly será uma mulher consciente de sua "traição" e com uma única e final liberdade: a escolha sobre a vida ou a morte. Eiko convida o público a ouvir o silêncio da sua nação e a chorar junto com a gueixa que luta por dignidade no drama pucciniano.
“Eu cantei “Madama Butterfly” com a direção de Carla Camurati em 2003. Cantei mais de 230 vezes esta personagem. Mas, essa ambientação está me desafiando. A minha família sobreviveu à Segunda Guerra. Sou filha da sobreviventes dos bombardeiros. Meu tio-avô foi Kamikaze com 16 anos. Minha família vem do Imperial Naval. Meu tio perdeu os dois braços e duas pernas por ter pisado em bombas terrestres, mas sobreviveu a guerra. Irônico. Minha mãe foi adotada por ficar sem os pais. Minha tia com 13 anos foi estuprada por 5 soldados americanos e nem sequer foi aceita a denúncia. Carrego tudo isso para cantar nesta versão de Butterfly”. - relembrou a talentosa Eiko.


Na versão 2025 de Madama Butterfly, além da ambientação ser narrada nos anos 50, o que coincide com o fim da Segunda Guerra Mundial, na qual, o Japão foi bombardeado pelos E.U.A, inclusive pela primeira vez na história da humanidade foi usada a “Bomba Atômica”, que caiu nas cidades de Hiroshima e Nagasaki, Eiko correlaciona como a direção cênica equilibra a beleza melódica de Puccini com toda a carga dramática e social do Japão do pós-guerra, especialmente em relação à presença militar americana.
“Nesta versão a parte psicológica da Cio-Cio-San é alterada. Ela não tinha ódio na versão 1904, mas, aqui em 1950, ela tem muito ódio, muita fome e miséria." Se vende" com mais consciência de certa forma. A música da Puccini ameniza esse desespero aguçado da Cio- Cio- San nesta versão. Mas a pobreza, os direitos humanos, a violência normalizada estão lá na Ópera ainda mais marcantes.” - revelou a intérprete de Cio-Cio-San
Nascida na cidade de Osaka, no Japão, Eiko, é licenciada em ciência e arte com especialização em canto e piano. E também tem especialização em música de câmara romântica, em Dresden, Alemanha. Apaixonada pela América Latina foi no Brasil que a cantora lírica casou-se com um carioca de Ilha Grande e teve os quatro filhos: Sarah, Helena, Anna e David. Por aqui, a célebre cantora, se estabeleceu e assumiu a vice-presidência da companhia da Ópera do Rio Grande do Sul. Mas, mesmo não tendo vivido os horrores da guerra e conhecendo tão intimamente o drama de Cio- Cio- San, a cantora nipônica carrega consigo às muitas histórias de superação que vivenciou.
“A tensão na época, quando eu era criança, ainda tinha o resto da ocupação dos USA e muitos soldados ainda estavam lá. É uma situação muito difícil somente quem vive essa situação de uma nação inteira ocupada por outro país. Para os jovens e a maioria dos brasileiros não deve ser fácil entender o que significa GUERRA maiúscula. Existe muito vandalismo nas ruas aqui no Brasil, sim. Mas, eu vejo essa miséria generalizada nos países que sobreviveram a grande guerra que carregam as cicatrizes absolutamente profundas e ainda estamos sobrevivendo e escapando do trauma coletivo.” - confidenciou ela.


Na interpretação de Eiko Senda o abismo entre o Japão milenar e a tragédia lírica de Puccini de 1904, tem uma Cio-Cio-San vista pelo Ocidente com um olhar exótico. Para a intérprete de Butterfly a profundidade de uma memória coletiva impenetrável, forjada por dez mil anos de cultura é o que demonstra a essência japonesa permanente, carregando consigo os "códigos sem palavras" que expressam milhões de sentidos. Essa perspectiva enriquece o drama original de Puccini, transformando o silêncio da personagem em uma manifestação de dor e dignidade incalculáveis. "Em quanto silêncio manifesta nossas emoções mais profundas. Existe um silêncio absoluto no fim da ópera, que todos vão ouvir. A dor e a tristeza inexplicável."- revela a soprano Eiko Senda.
No elenco, grandes vozes como Eiko Senda, Daniela Tabernig, Matheus Pompeu, Miguel Geraldi, Inácio de Nonno e Santiago Villalba. Com cenografia de Renato Theobaldo, figurinos de Marcelo Marques e iluminação de Ángel Ancona, a ópera conta com a concepção e direção cênica de Pedro Salazar e a direção musical e regência de Alessandro Sangiorgi. As apresentações acontecem também nos dias 23, 27, 29 e 30 de novembro, ficando o dia 25 reservado para o Projeto Escola.
Serviço:
Madama Burtterfly – Giacomo Puccini
Com Coro e Orquestra Sinfônica do Theatro Municipal do Rio de Janeiro
Local: Theatro Municipal do Rio de Janeiro
Endereço: Praça Marechal Floriano S/Nº - Centro
Datas e horários: 21, 27 e 29/11, às 19h / Dias 23 e 30/11, às 17h / Dia 25/11, às 14h (Projeto Escola)
Duração: 2h30 com intervalo
Classificação: 12 anos