Muances: Em uma realidade de mudanças constantes, contradições e sobrecargas, o concerto expandido explora a fragmentação e a complexidade do mundo contemporâneo.
Em entrevista exclusiva ao Sarau de Grã Finos, o francês Camille Rocailleux, fala sobre o conceito do espetáculo "Muance" que está na programação do Festival Internacional intercâmbio de Linguagem (FIL).
ENTREVISTASGRÃFINÍSSIMO
10/8/20258 min read


O musicista e ensaiador francês Camille Rocailleux se apresentará nos dias 11 e 12 de outubro no Teatro Ipanema, pelo Festival Internacional Intercâmbio de Linguagens (FIL), com o espetáculo “Muances”. Com conceito de concerto expandido, três multi-instrumentistas e uma cantora-guitarrista alternam-se entre instrumentos, construindo uma trilha sonora ao vivo que se entrelaça às imagens projetadas. A obra retratada como um poema sociológico ultrapassa os formatos tradicionais, explorando novas tecnologias e utilizando o corpo dos artistas como parte ativa da dramaturgia. No palco, além de Camille, os também músicos SUN e Mathieu Bem Hassen dividem a cena construindo uma trilha sonora ao vivo que se entrelaça às imagens projetadas.
Em entrevista exclusiva ao Sarau de Grã Finos, Camille revela todo processo criativo do espetáculo, que está em turnê pela América Latina e sinaliza como cada país recebe e interpreta a crítica social que ressoa na performance. O francês afirma ter uma relação com o Brasil e a nossa cultura, destacando a parceria com Karen Acioly, idealizadora do FIL, com quem fez colaborações na co-produção e direção de óperas brasileiras, especialmente para o público infantil e juvenil.
FR> Le musicien et metteur en scène français Camille Rocailleux se produira les 11 et 12 octobre au Teatro Ipanema, dans le cadre du Festival International Intercâmbio de Linguagens (FIL), avec son spectacle “Muances”. Conçu comme un concert élargi, trois multi-instrumentistes et une chanteuse-guitariste alternent entre les instruments, construisant une trame sonore en direct qui s'entremêle aux images projetées. L'œuvre, décrite comme un poème sociologique, dépasse les formats traditionnels, explore les nouvelles technologies et utilise le corps des musiciens comme partie active de la dramaturgie. Sur scène, aux côtés de Camille, les artistes SUN et Mathieu Bem Hassen partagent la scène, élaborant une trame sonore en direct qui s'entrelace avec les images projetées.
Dans une interview exclusive accordée à Sarau de Grã Finos, Camille révèle l'ensemble du processus créatif du spectacle, actuellement en tournée en Amérique Latine, et indique comment chaque pays reçoit et interprète la critique sociale qui résonne dans la performance. Le Français affirme entretenir une relation avec le Brésil et notre culture, soulignant son partenariat avec Karen Acioly, l'idéatrice du FIL, avec qui Camille a collaboré à la coproduction et à la mise en scène d'opéras brésiliens, notamment pour le jeune public.


Sarau de Grã Finos: Você já veio ao Brasil. Qual é a sua relação com o país e com a cultura brasileira?
Camille Rocailleux: Sim, já estive no Brasil várias vezes e tenho uma ligação profunda com o país e com sua cultura. Tive o prazer de trabalhar com Karen Acioly, que programou dois dos meus espetáculos anteriores e me convidou a compor músicas para algumas de suas próprias produções. O que acho tão inspirador na cultura brasileira é a forte conexão entre corpo, música, jogo e poesia. Há aqui uma energia criativa única e uma profundidade emocional que sempre me marcam profundamente.
FR>Sarau de Grã Finos : Vous êtes déjà venu au Brésil. Quel est votre rapport au pays et à la culture brésilienne ?
Camille Rocailleux : Oui, je suis déjà allé plusieurs fois au Brésil, et j’entretiens un lien profond avec le pays et sa culture. J’ai eu le plaisir de collaborer avec Karen Acioly, qui a programmé deux de mes spectacles précédents et m’a invité à composer la musique pour certaines de ses propres créations. Ce que je trouve si inspirant dans la culture brésilienne, c’est la puissante connexion entre le corps, la musique, le jeu et la poésie. Il y a là une énergie créative unique et une profondeur émotionnelle qui me laissent toujours une impression très forte.
Sarau de Grã Finos: O espetáculo Muances tem um caráter inovador ao propor uma arte híbrida que integra diversas formas de expressão. Como surgiu a ideia de fazer da crítica à sociedade contemporânea um tema central?
Camille Rocailleux: Muances nasceu do desejo de explorar a fragmentação e a complexidade do nosso mundo contemporâneo. Vivemos em uma época de mudanças constantes, contradições e sobrecarga — visual, emocional e social. Eu quis refletir isso por meio de uma linguagem artística híbrida que mistura movimento, música e imagem. A crítica à sociedade contemporânea não surgiu como uma intenção teórica, a princípio; ela emergiu naturalmente, durante o processo criativo. À medida que eu trabalhava com os intérpretes, os temas da identidade, do excesso, da perda e da transformação tornaram-se centrais. O espetáculo não oferece respostas — ele abre perguntas e convida o público a refletir sobre o mundo que compartilhamos.
FR>Sarau de Grã Finos : Le spectacle Muances a un caractère innovant en proposant un art hybride qui intègre plusieurs formes d’expression. Comment est née l’idée de faire de la critique de la société contemporaine un thème central ?
Camille Rocailleux : Muances est né du désir d’explorer la fragmentation et la complexité de notre monde contemporain. Nous vivons une époque de changements constants, de contradictions et de surcharge — visuelle, émotionnelle et sociale. J’ai voulu refléter cela à travers un langage artistique hybride qui mêle mouvement, musique et image. La critique de la société contemporaine n’est pas venue d’une intention théorique au départ : elle a émergé naturellement, au fil du processus créatif. En travaillant avec les interprètes, les thèmes de l’identité, de l’excès, de la perte et de la transformation sont devenus centraux. Le spectacle n’apporte pas de réponses, il ouvre des questions et invite le public à réfléchir sur le monde que nous partageons.


Sarau de Grã Finos: Quais são os principais dilemas sociológicos sobre os quais o espetáculo busca chamar a atenção do público?
Camille Rocailleux: Em Muances, quis dar voz àqueles que raramente são ouvidos: indivíduos que, de forma silenciosa e humilde, resistem às forças desumanizadoras da nossa sociedade. Enquanto boa parte do mundo permanece passiva ou em silêncio, algumas vozes anônimas carregam ideias poderosas, defendem causas essenciais e se tornam faróis na escuridão. A peça é como uma galeria de retratos — pessoas que permaneceram profundamente humanas em um mundo que tende a nos reduzir a papéis, funções ou consumidores. Em vez de apontar o dedo ou fazer grandes declarações, o espetáculo celebra essas formas cotidianas de resistência. Lembra-nos de que o engajamento nem sempre tem aparência heroica — ele pode ser sutil, poético, até frágil. Mas é justamente essa fragilidade que o torna tão necessário e tão comovente.
FR>Sarau de Grã Finos : Quels sont les principaux dilemmes sociologiques sur lesquels le spectacle cherche à attirer l’attention du public ?
Camille Rocailleux : Dans Muances, j’ai voulu donner la parole à ceux que l’on entend rarement : des individus qui, silencieusement et humblement, résistent aux forces déshumanisantes de notre société. Tandis qu’une grande partie du monde reste passive ou silencieuse, certaines voix anonymes portent des idées fortes, défendent des causes essentielles et agissent comme des phares dans l’obscurité. La pièce ressemble à une galerie de portraits — des êtres profondément humains dans un monde qui tend à nous réduire à des rôles, des fonctions ou des consommateurs. Plutôt que de pointer du doigt ou de faire de grandes déclarations, le spectacle célèbre ces formes quotidiennes de résistance. Il nous rappelle que l’engagement n’a pas toujours une apparence héroïque — il peut être subtil, poétique, voire fragile. Mais c’est précisément cette fragilité qui le rend si nécessaire et si bouleversant.
Sarau de Grã Finos: Você é músico. Muances é uma forma de introduzir um novo formato musical?
Camille Rocailleux: Como músico, não vejo Muances como uma tentativa de inventar um novo formato musical, mas sim de expandir a maneira como a música pode viver no palco. Nesta obra, a música não é apenas uma trilha sonora — ela é uma presença física, visual e emocional. Molda o ritmo da performance, interage com os corpos e com o silêncio, e muitas vezes se torna uma personagem em si mesma. Sempre me interessei por derrubar as fronteiras entre as disciplinas, e em Muances, o som é inseparável do movimento e da imagem. Portanto, se há algo “novo” aqui, talvez esteja justamente nessa fusão — na forma como a música se transforma em espaço, gesto, respiração ou tensão.
FR>Sarau de Grã Finos : Vous êtes musicien. Muances est-il une manière d’introduire un nouveau format musical ?
Camille Rocailleux : En tant que musicien, je ne considère pas Muances comme une tentative d’inventer un nouveau format musical, mais plutôt comme une façon d’élargir la manière dont la musique peut vivre sur scène. Dans cette pièce, la musique n’est pas seulement une bande sonore : elle est une présence physique, visuelle et émotionnelle. Elle façonne le rythme de la performance, interagit avec les corps et avec le silence, et devient souvent un personnage à part entière. J’ai toujours été intéressé par la dissolution des frontières entre les disciplines, et dans Muances, le son est indissociable du mouvement et de l’image. S’il y a quelque chose de « nouveau » ici, c’est peut-être dans cette fusion — dans la manière dont la musique devient espace, geste, souffle ou tension.


Sarau de Grã Finos: Em um mundo hiperconectado, a crítica social proposta pelo espetáculo é compreendida da mesma maneira pelo público nos diferentes países em que você se apresenta? Ou a percepção muda conforme o lugar?
Camille Rocailleux: Os temas centrais de Muances são compreendidos de maneiras diferentes, dependendo do contexto cultural. Em alguns países, o público se concentra mais na dimensão política; em outros, conecta-se de forma mais emocional com os retratos humanos ou com o tratamento poético.O que muda não é tanto a mensagem, mas a ressonância. Cada público traz consigo sua própria história, suas lutas e sensibilidades. Mas, surpreendentemente, a essência do espetáculo — dar voz aos que não são ouvidos e celebrar aqueles que permanecem humanos em um mundo desumano — costuma tocar as pessoas de maneira muito semelhante e íntima. Portanto, sim, a percepção muda, mas algo essencial permanece universal.
FR>Sarau de Grã Finos : Dans un monde hyperconnecté, la critique sociale proposée par le spectacle est-elle comprise de la même manière par le public dans les différents pays où vous vous produisez ? Ou la perception change-t-elle selon le lieu ?
Camille Rocailleux : Les thèmes centraux de Muances sont compris de façons différentes selon le contexte culturel. Dans certains pays, le public se concentre davantage sur la dimension politique ; ailleurs, il se connecte plus émotionnellement aux portraits humains ou au traitement poétique. Ce qui change, ce n’est pas tant le message que la résonance. Chaque public apporte sa propre histoire, ses luttes et sa sensibilité. Mais, de manière surprenante, l’essence du spectacle — donner une voix à ceux qu’on n’entend pas et célébrer ceux qui restent humains dans un monde inhumain — touche souvent les spectateurs de manière très semblable et intime. Ainsi, oui, la perception varie, mais quelque chose d’essentiel demeure universel.