O Clássico Imbróglio

Um clássico é uma obra que provoca incessantemente, uma nuvem de discursos críticos sobre si, mas continuamente repele-os para longe. "Ítalo Calvino"

CRÔNICAS

Joana Aleixo é jornalista, produtora cultural e estuda historia da arte pela UFRJ

1/26/20254 min read

A arte é a manifestação da subjetividade humana. Em diferentes épocas diversos governos tentaram controlar essa forma de expressão. De governos autoritários a fascistas a arte sempre foi desejo de controle e objeto de uma verdadeira caça para aqueles que têm na arte sua forma de trabalho. Mas o que pode estar por trás da cobiça de governos de extrema direita de controlar a cultura? O presidente eleito Donald Trump ao reassumir a presidência dos EUA, decretou que espaços públicos só podem receber a arte denominada Clássica, algo similar também aconteceu na Alemanha fascista de Hitler.

Para o professor de ciências políticas Paulo Roberto, os EUA concentram boa parte das obras de artes do mundo com centenas de museus, dividindo com a Europa a hegemonia do mercado mundial. “Essa coisa de enfatizar a “arte clássica” em detrimento de outra, creio que está ligada a valores tradicionais da agenda conservadora. Não adianta uma vitória política, se os liberais continuam ter expressão no meio cultural” - analisou.

Desde a pré-história quando se tem os primeiros registros artísticos do homem, por meio, da arte rupestre das cavernas, foi possível saber como viviam os nossos antepassados. Cada período artístico é dividido pelo senso da razão ou emoção. Para alguns, a razão pode ser um território rico e fertil, enquanto a emoção um território pobre. Porém, na maioria dos casos, o território que utilizamos para fazer arte (razão ou emoção) não é aquele que somos na essência, e sim a manifestação do território pobre e reprimido que, pelo fato de estar sufocado, procura maneiras de expressar-se e revelar-se intensamente, permitindo-nos alcançar, dessa forma, o nosso equilíbrio interior.

Neste contexto de repressão, muitos artistas tiveram o auge da criatividade ao passar por provações empíricas ou até mesmo ao terem suas formas artísticas negadas como talento. Na contemporaneidade, ou seja nos dias atuais, a arte tem grande apelo de invenções e experimentações artísticas muito influenciada pelo “Pop Art”. Não é incomum ouvir que a arte atual é decadente. No entanto, os movimentos artísticos sempre tiveram nos mecenas um grande propulsor para sobrevivência desta forma de expressão seja: entidades privadas e governos. Países que trazem consigo uma política democrática, tem na arte um grande aliado para a educação e mudança de paradigmas nas camadas mais pobres da sociedade.

”Por diversas vezes, os conservadores apontam a arte como uma fonte de valores decadentes, que segundo eles, seriam perigosos para as instituições. A medida que a arte é sempre uma propagadora de valores, o controle das expressões artísticas está ligado a difusão desses valores também”. - afirmou o professor universitário, Paulo Roberto.

O Classicismo como apogeu cultural

A cultura não costuma ser vista por regimes anti-democráticos como algo a ser destruído. A fim de controlar corações e mentes, eles buscam pautar o teatro, o audiovisual, a imprensa, as galerias, os museus, as universidades com a retórica que lhes convém. Como o Estado não produz cultura em si, ele procura controlar homens e mulheres que a produzam. A cultura é vista como “recurso político”.

A arte e belo sempre estiveram próximos. Mas o que era arte para a filosofia grega? Platão definiu bem esse pensamento no livro A República, onde ele não diferenciou a arte da ciência. Aristóteles foi quem separou esse conceito posteriormente. O raciocínio era uma arte e filosofia, isto é, a dialética. Para ele, com exceção da dialética e do pensamento, a arte como a pintura e a poesia imitavam o já existente. Para Platão, os artistas deveriam ser vigiados e só imitar o vestígio do belo e do perfeito. Os artistas deveriam ser instrumentos transmissores do ideal da cidade, da república (...)devemos vigiar os outros artistas e impedi-los de introduzir na sua obra o vício, a licença, a baixeza, o indecoro, quer na pintura de seres vivos, quer nos edifícios, quer em outra obra de arte (...). -Trecho do livro a República, II, 401b-402a

No mundo grego-romano (secs III a.c a II d.c) e no pensamento cristão posterior ampliaram o pensamento de arte, mesclou as definições platônicas e aristotélicas e uniu o Belo ao mundo da Ética: o belo, além de uma composição das partes do corpo, era também, e sobretudo, a firmeza de caráter derivada da virtude: As qualidades principais são, no corpo, a beleza, a força, a saúde, a energia, a velocidade, e na mente, as correspondentes a estas. (...) Assim como no corpo se verifica o que chamamos ‘beleza’ [quando a] uma certa disposição adequada dos membros se junta uma cor agradável [da pele], assim também se dá o nome de ‘beleza da alma’ [ao equilíbrio] entre, por um lado a constância e a coerência e, por outro, uma certa firmeza e estabilidade nas opiniões e nos juízos, que, ou decorrem da virtude, ou contém em si a essência mesma da virtude.

Muito nos faz lembrar, o conceito de eugenia que fomentou a carnificina feita por Hither quando chegou ao poder em 1933, promovendo a Segunda Guerra Mundial. O papel representado pela antiguidade e o modo como determinados elementos do passado, tornam-se referência para uma interpretação do presente, a partir do gosto, do belo, da força, do poder, fenômenos disseminados no período clássico, pode-se passar a ideia de um presente revigorado. Assim, elegendo o classicismo como período áureo, pode-se “controlar” os valores artísticos predominante no presente.