Rusalka, interpretada pela soprano Ludmila Bauefeldt, ressoa uma atmosfera mágica e onírica no Municipal.
Em entrevista exclusiva ao Sarau de Grã Finos, a artista relembra personagens e afirma estar em um ótimo momento profissional.
1/21/20255 min read


Imagine uma ninfa cantora que tem na voz parte intrínseca da sua identidade, como símbolo de beleza, liberdade e conexão com a natureza e, de repente, ao se apaixonar por um príncipe e desejar viver esse amor, ela transforma-se em humana para conquistá-lo e embarca numa jornada repletas de desafios e perdas. Rusalka, uma obra-prima do compositor tcheco Antonín Dvořák, é uma ópera que nos transporta para um universo de mistério, amor e transformação.
A magnífica soprano Ludmila Bauefeldt, é uma das cantoras que interpretam a protagonista, Rusalka, no Theatro Municipal do Rio de Janeiro. Ela divide essa excepcional missão lírica com a solista Paolla Soneghetti. As apresentações que encerram-se, no domingo, dia 24/11, tem levado magia e a busca incessante pela felicidade ao público. A obra, encenada pela primeira vez em solo brasileiro, nos propõe uma intensa viagem aos limites do amor romântico, tema que ressoa com o público de todas as épocas e culturas.
Rusalka é uma obra que encanta e emociona, convidando o público a uma jornada pelas profundezas da alma humana e pelo mundo mágico da natureza. A história de Rusalka tem raízes em contos de fadas eslavos, assim como em outras lendas sobre ninfas e sereias. A ária mais famosa da ópera, "Lua no céu profundo", é uma das mais belas e emocionantes da história da música lírica.
Convido-os a desfrutar da entrevista concedida ao Blog “Sarau de Grã Finos” com a estrela da versão brasileira da Ópera Rusalka: Ludmila Bauefeldt.
Sarau de Grã Finos: Como é retornar aos palcos do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, um ano após encenar “La Traviata”, uma das óperas mais famosas do Giuseppe Verdi?
Ludmila Bauefeldt: É sempre um prazer e uma honra retornar ao palco do Municipal, teatro que tem sido esteio para a realização de tantos sonhos e personagens. Durante as récitas de La Traviata ano passado, fui convidada para interpretar a Rusalka.
Sarau de Grã Finos: A Ópera Rusalka foi encenada pela primeira vez em 1901. A montagem dessa edição estreou na Espanha, ano passado. O que o público que for ao Municipal pode esperar dessas apresentações em solo carioca?
Ludmila Bauefeldt: Essa produção propõe uma reflexão profunda acerca do fazer musical, coloca a música inebriante de Dvorak em primeiro plano, e as emoções que evoca espelham-se em todos, trazendo o público para dentro da cena.
Sarau de Grã Finos: Rusalka é um espírito que vive nas águas e tem o desejo de ser humana. Viver o amor. Na sua opinião, Rusalka tem mais características das lendas populares da Pequena Sereia ou da nossa adorada Yemanjá?
Ludmila Bauefeldt: Bem, para nós é inevitável o cruzamento entre nossas Iabás; Iemanjá, Oxum e Nanã, deidades conectadas com o elemento água e os desdobramentos emocionais que suscitam. Essas, muito poderosas. Já a lenda da pequena sereia traz uma figura mais inexperiente, mais voluntariosa, obsessiva por viver a experiência da individualidade humana, e paga um preço altíssimo por isso. Uma relação fadada ao desencontro, desde o início. De toda forma, coloca em questão também os limites que a mulher encontra quando desafia o status estabelecido.
Sarau de Grã Finos: Das Óperas, às tragédias românticas, vividas por amores impossíveis faz o público suspirar. Você acredita no amor romântico?
Ludmila Bauefeldt: Acredito que os enredos operísticos, apesar de milenares, continuam despertando a curiosidade humana a respeito das paixões, dos desacertos, dos conflitos, até os dias de hoje. Passa a ser atemporal a relação do “Ser” em busca de completude. Pessoalmente, acredito no amor como potência e generosidade absolutos. O amor romântico é uma ideia, um aspecto limitado dessa energia tão transformadora.
Sarau de Grã Finos: Me confidence uma qualidade e um defeito de Violetta (La Traviata) e Rusalka. Elas têm algo em comum, além de amores impossíveis?
Ludmila Bauefeldt: Violetta Valery é uma personagem muito forte, que vive uma jornada de transformação, tendo o amor e morte como luz e sombra dos seus conflitos. Romântica por natureza, alcança o altruísmo e morre bendita. Rusalka, muito volúvel, também vive uma jornada de amor e morte, essa mais enredada numa série de desencontros, que deflagram mais ainda sua fragilidade. Essa é amaldiçoada a sofrer eternamente. O romantismo tardio, indissolúvel e extremo.
Sarau de Grã Finos: Você já se apresentou em inúmeros Teatros mundo afora com peças de grande renome. Qual a montagem que mais se identificou?
Ludmila Bauefeldt: Bem, tendo tido minha primeira formação em artes cênicas; como atriz, sempre me identifico com as personagens que interpreto. Agora, a Violetta, da ópera La Traviata, de Verdi, representa para mim o próprio mergulho na música. Quando ouvi pela primeira vez foi amor e identificação absoluta. Mudou minha vida!
Sarau de Grã Finos: Como é a preparação de estudos, ensaios, alimentação para encarar a maratona de espetáculos?
Ludmila Bauefeldt: Cada montagem exige muita preparação prévia, com estudo da partitura, memorizar o texto- esse, em tcheco, levei meses estudando. Fora a técnica vocal, apreendida e desenvolvida no decorrer da minha carreira. Além disso, descanso vocal, alimentação sem exageros e noites de sono.
Sarau de Grã Finos: Como é poder se apresentar no Theatro Municipal com a Casa lotada? Você acha que o brasileiro aprecia Ópera?
Ludmila Bauefeldt: Nos preparamos e levantamos um espetáculo para ele existir diante do público. É fundamental o objetivo de comunicar, de contar a história, de traduzir-se em emoções. Acho que o público brasileiro é entusiasta e vem lotando o teatro, mesmo com títulos desconhecidos. Essa é a primeira vez que Rusalka é encenada em palco carioca. E já está sendo um sucesso!
Sarau de Grã Finos: Qual o seu período de música preferido?
Ludmila Bauefeldt: Os períodos assim delimitados por características comuns são objeto de estudo e reflexão. Quando em cena, respeito muito o estilo, mas sempre busco me comunicar. Seja barroco, clássico, romântico ou contemporâneo - já passei por todos. Procuro fazer aquela personagem da maneira mais simples e real possível. No entanto, tenho adoração pela Escola Italiana do Bel Canto, onde me desenvolvi e terminei meus estudos, na Accademia do Teatro Alla Scala, em Milão. Me sinto afortunada por ter tido essa formação é uma responsabilidade de seguir adiante nessa escola, como base do meu canto.
Sarau de Grã Finos: Estamos chegando ao final de mais um ano. Qual mensagem você gostaria de passar para 2025?
Ludmila Bauefeldt: É sempre um momento chave para o cantor lírico, terminar uma temporada e desenhar a próxima. Estou num ótimo momento profissional. Na próxima temporada, espero reencontrar personagens conhecidas e muito queridas. No geral, espero que o teatro lírico retome cada vez mais sua força e relevância no cenário cultural brasileiro.