UMA POTÊNCIA EM QUERER VIVER

Frida de Reginaldo Oliveira trouxe um manifesto de cores e dor evocando como o corpo ferido e vibrante de Frida Kahlo reinventou a beleza.

CRÔNICASGRÃFINÍSSIMO

Joana Aleixo é jornalista, produtora cultural, estudante de música e história da arte.

11/4/20253 min read

Fotos: Daniel Ebendinger

Nas próximas semanas o Theatro Municipal do Rio se prepara para encenar a obra operística de Puccini, Madame Butterfly, que tem registro da última encenação em solo carioca no ano de 2014. Indubitavelmente será uma grande apresentação desde das músicas, figurinos nipônicos e a própria tragédia, que se tratando de uma boa Ópera nunca deixa a desejar. No entanto, este artigo é um convite a nos debruçarmos sobre o sucesso do espetáculo de balé Frida, encenado no Municipal a poucos dias atrás, e que celebrou a força da pintora mexicana e da dança contemporânea.

A coreografia e direção é de Reginaldo Oliveira, extremamente talentoso nascido na Maré, há 20 anos vive na Europa e atua no Balé Salzburger Landestheater, na Áustria. Essa foi a primeira vez que Reginaldo trouxe um espetáculo concebido por ele ao seu país de origem. A narrativa da história de Frida Kahlo abordada por Reginaldo de forma épica, evidenciou a biografia complexa transformando em poderosos questionamentos existenciais. Ao conectar a dor e a criação artística de Frida Kahlo com a necessidade de questionarmos as nossas próprias limitações e padrões impostos, Reginaldo convida a reconhecer a força do amor-próprio e da resiliência tornando impossível ao público não fazer uma autocrítica sobre os valores que carregamos e até que ponto uma limitação pode nos paralisar em vida.

Em um cosmo criativo, as bailarinas Cláudia Motta e Márcia Jacqueline deram vida a Frida Kahlo em uma trama onde a dança e suas formas contavam a história cheia de dor, cores e pulsação. O corpo de baile transformou-se no próprio corpo da Frida, entrelaçando os corpos dos bailarinos com a protagonista numa grande esfera de expressão e emoção. No primeiro ato o vermelho e o púrpura invadiram as íris de quem assistia evidenciando toda a trajetória de desgraça que a mexicana Frida Kahlo sofreu. Desde de o acidente de ônibus, no qual, ela teve um ferro atravessado no seu ventre a impossibilitando de ter filhos até as doenças, inúmeros abortos e traições. Porém essa vida de batalhas não a paralisou. Reginaldo mostra como Frida criou o próprio mundo para sobreviver e assim se mantém viva até os dias atuais. Tudo isso embalado por uma trilha sonora latina e potente.

Confesso que quando chegou as informações do espetáculo fiquei muito interessada no figurino. Afinal, a pintora Frida Kahlo conseguiu por meio das cores e seus autorretratos construir um mundo particular de beleza, onde a cultura mexicana era o adorno para a sua própria falta de beleza. O espetáculo trouxe mais. Trouxe a dor de alguém que a vida não lhe presenteou com flores (marca registrada da Frida), mas com muitos espinhos. Não obstante, para sobreviver Frida Kahlo criou seu mundo ideal que a arrebatava das mazelas que a vida insistia em lhe impor. Nesse mundo particular, Frida imortalizou seu próprio padrão de beleza e deixou seu legado visual para as próximas gerações.

Para além da Frida Kahlo do pop arte, das pinturas dos museus e uma série de insígnias que a imortalizaram. Podemos afirmar que o mundo de Frida Kahlo é o da resiliência. Neste mundo ela tinha o controle sobre seu corpo, sobre a sua beleza e principalmente sobre os seus desejos. Feminina ou masculina, a Frida Kahlo de Reginaldo Oliveira trouxe ao Municipal do Rio uma potência de querer viver.

No contexto social da atualidade essa apresentação trouxe questionamentos muito presentes. Até que ponto nossas vulnerabilidades nos limitam? Quem está ditando os “padrões” que seguimos, quase como zumbis, alienados em padrões de beleza, de sucesso e, pior, de vida. O espetáculo Frida é uma crítica necessária sobre o quanto o sofrimento pode ou não nos limitar. Não romantizando o sofrimento, mas enaltecendo que a vontade de viver e principalmente o quanto o amor próprio pode nos salvar.